Após os tumultos e roubos ocorridos no último fim de semana, a PM do Rio anunciou nesta quinta-feira (15) que o policiamento será reforçado nas praias do Rio a partir deste sábado. Além disso, as revistas serão intensificadas nos ônibus próximos à orla para evitar roubos e assaltos. No entanto, segundo Marli Souza, conselheira tutelar do Conselho localizado na Zona Sul do Rio, só o policiamento não resolve. Parte do problema, segundo ela, é a falta de políticas públicas para crianças e jovens no Rio, uma vez que a maioria dos incidentes na praia envolve menores de idade. Já analistas e sociólogos aprovam o reforço no policiamento, mas divergem quanto às implicações e resultados das revistas a ônibus próximos à orla.
Banhistas vêm enfrentando praias cheias aos finais de semana no Rio (Foto: Henrique Coelho/G1)
No último fim de semana, de um total de 20 pessoas encaminhadas para as delegacias do Leblon e de Botafogo, 15 eram menores de idades suspeitos de crimes análogos a roubo e desacato a autoriadade. Quatro deles acabaram apreendidos na 14ª DP após tumultos e roubos nas praias de Ipanema, Arpoador e Leblon.
“Não existe política pública, colônia de férias, Vila Olímpica, o que quer que seja, na Zona Oeste e na Zona Norte. Todas as crianças têm direito ao lazer, ao esporte, à educação… É tudo muito ruim ou inexistente. As opções são limitadas, tanto de creches quanto de escolas em tempo integral. Aí fica difícil”, dispara Marli. Ainda de acordo com conselheira, a maior parte dos jovens encaminhados ao conselho tutelar da Zona Sul vem de outras regiões da cidade.
“Se você acompanhar o trabalho do Conselho em um final de semana, vai perceber que a maioria é de Bonsucesso, Mandela, Manguinhos, Jacarezinho, Nova Iguaçu, Bangu… Várias partes da cidade onde não há opções de lazer e atividades enquanto os pais estão trabalhando”, explica Marli.
Participação da sociedade
Trabalhando há 30 anos com violações de direitos humanos, Marli Souza afirma que muitos desses menores apreendidos e encaminhados para a delegacia sentem muito medo ao serem encaminhados para a delegacia. “Tem uns que fazem, que vão com esse objetivo, mas tem um monte que vai na bagunça, para fazer arruaça. E vários deles ficam com muito medo quando vão encaminhados para a delegacia, muitos nem voltam”, relata.
“A sociedade tem que também parar de ligar imediatamente a figura do negro menor de idade sem camisa ao crime. Tem de reprimir quem rouba e os garotos de classe média que fumam maconha em Ipanema”, defende.
Segundo a conselheira, há um grande erro em considerar que o órgão tenha uma função repressora. “Medidas socioeducativas não competem ao Conselho Tutelar, e sim medidas de proteção, respeitando o estatuto da Criança e do Adolescente. Repressão é com a 2ª Vara de Infância e Adolescência”, diz.
A criança apreendida nas praias, caso seja pega cometendo algum tipo de infração, deve ser encaminhada para a Delegacia de Proteção à Criança e Adolescência para que o caso seja registrado. Em seguida deve ser levada para institutos estaduais como o João Luiz Alves, na Ilha do Governador, na Zona Norte do Rio, e a Central Taiguara, na Avenida Dom Hélder Câmara, também Zona Norte, caso esteja em situação de rua. “Se ela tiver pais, eles vão ser identificados e levados para os conselhos tutelares da área onde eles moram”, conta.
Clima na praia
Nas praias de Arpoador e Ipanema, na Zona Sul do Rio, banhistas e comerciantes foram ouvidos pelo G1 sobre qual seria a solução para esse problema. Wellington Dias, morador de Nova Iguaçu, vende comida árabe nas areias do Arpoador há pelo menos três anos. Ele diz que as vendas no final de semana não chegam a ser afetadas pelos tumultos nos finais de semana, mas que os roubos deixam as pessoas com medo, e sem saber concorda com a Conselheira Tutelar de Laranjeiras, Marli Souza.
“Isso é coisa de quem não tem mais o que fazer. Tem é que ter iniciativa social para dar atividades para essas pessoas”, diz ele, citando o exemplo do próprio filho, de seis anos. “Ele faz judô desde os 4 anos. Eu trabalho e a minha mulher também todo dia de tarde. Ele vai pra academia e aprende uma atividade física. Vou deixar meu filho na rua sem ninguém tomar conta? Claro que não”, argumenta ele. “Quem trabalha aqui sabe que vários são reincidentes, vem para cá direto e voltam sempre. Só polícia não está dando conta”, pontua.
Wellington sugere alternativas sociais para jovens (Foto: Henrique Coelho/G1)
Já Gilberto Santoro, comerciante que trabalha na orla, diz que a solução é justamente parar de ter medo. “Tem que juntar, não somos maioria? Tem que segurar esses caras até a polícia chegar”, propõe. Drica Queiroz, de 24 anos, mora atualmente na Tijuca, mas já foi moradora de Ipanema e continua frequentando o Arpoador. Segundo ela, o problema é o contrário do apontado por Gilberto. “As pessoas têm medo demais, e isso deixa elas irracionais. Existe o problema de roubos nas praias sim, mas não tem por que transformar isso em uma guerra”, defende.
Maurício Pirajá, de 55 anos, caminha todos os dias pela região, e se sente amedrontado pela presença dos menores infratores. Ele é defensor de medidas mais duras e a favor da redução da maioridade penal: “Quem faz isso tem que ser preso, independentemente da idade. Se não aprendeu pelo bem, vai aprender pelo mal. Se algo não for feito, a população pode agir de forma até mais enfática”.
Especialista em segurança apoia
Paulo Storani, ex-comandante do Batalhão de Operações Especiais e analista de Segurança Pública, disse ao G1 que as ações anunciadas na última quinta-feira (17) da PM são “positivas e inteligentes” . “A PM poderia até estender isso [revistas nos ônibus], começar a partir do início dos pontos de ônibus em direção a essas praias, e fazer isso tanto na ida quanto na volta da praia. Isso vai ajudar tanto nos problemas ocorridos na praia quanto no roubo de coletivos”, analisa Storani.
Ele pondera, no entanto, que esse policiais deslocados para reforçar o policiamento nas praias e em batalhões com homens movidos para o efetivo da Operação Verão não estão tendo as folgas necessárias para realizar o serviço de patrulhamento da melhor forma.
“A Polícia Militar já esgotou a capacidade de explorar o seu efetivo, com policiais sem folga sendo utilizados em policiamento de áreas específicas. Isso certamente intervém na qualidade do policiamento. A sociedade quer policiamento, independentemente da condição psicológica desse policiamento. Isso acaba criando uma solução a curto prazo, mas outros problemas maiores a médio e longo prazo”, critica ele.
Medidas geram polêmica
O sociólogo Ignácio Cano, especialista em violência pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, aprovou o reforço no policiamento no Arpoador, mas problematizou as revistas em ônibus que passam pela orla vindos de outras regiões da cidade:
“É algo delicado, porque podemos colocar como suspeitos, como sempre, os jovens da periferia. Há centenas de milhares vindo para a Zona Sul, e colocar todos eles como suspeitos é algo muito perigoso, e desconfio que pouco efetivo”.
Para Cano, a mudança desse quadro deve acontecer de forma gradual, dentro da própria sociedade. “Essa questão tem que ser mudada aos poucos. Avançamos muito, mas ainda vivemos em um país em que as pessoas têm direitos diferentes em função de quem são, de onde vêm e qual a posição deles na pirâmide social”, argumenta o sociólogo.
