Por Schirlei Alves, Diário Catarinense
Em tempos em que se discute a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos, profissionais que atuam diretamente na área da infância e adolescência de Joinville são unânimes em afirmar que a edição da lei não é a solução para a criminalidade no País. A experiência de 21 anos da delegada Marilisa Boehm à frente da Delegacia de Proteção à Criança, Adolescente, Mulher e Idoso e os cinco anos de Sérgio Ricardo Joesting, atuando como promotor de justiça da Infância e Juventude, lhes permitem avaliar que o Estatuto da Criança e do Adolescente seria eficaz se fosse bem aplicado.
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Segundo a análise dos profissionais, a carência de estrutura do Estado é que impossibilita que as medidas socioeducativas promovam resultados mais favoráveis.
Um adolescente acompanhado pela reportagem de “A Notícia” no especial A Segunda Chance, por exemplo, foi liberado antes do tempo previsto para internação porque o Centro de Atendimento Socioeducativo precisou fazer escolhas e dar prioridade aos casos mais graves.
O baixo efetivo compromete a segurança, que, consequentemente, impossibilita a abertura de vagas. Dentro do sistema socioeducativo, ele teve a oportunidade de recuperar parte das séries perdidas na escola, mas o tempo internado não foi suficiente para que o jovem sequer concluísse o ensino fundamental ou um curso profissionalizante.
— O estatuto foi a lei mais bem elaborada, mas precisa de recursos para fazer valer essas medidas. Precisamos de vagas, psiquiatria, acompanhamento, cursos profissionalizantes gratuitos que, de preferência, sejam ministrados nos bairros — avalia Marilisa Boehm.
— É uma legislação moderna para um País sem dinheiro. Mas a legislação contém subsídios suficientes para aplicação de medidas ríspidas que façam com que o adolescente seja colocado no sistema e recuperado plenamente na medida em que comete atos infracionais graves — entende Ricardo Joesting.
— É uma lei de primeiro mundo, mas falta estrutura. Se tudo funcionasse de acordo com o ECA, o retorno do jovem à sociedade seria muito melhor — complementa o juiz da Vara da Infância e Juventude, Márcio René Rocha.
— É mais fácil reduzir a maioridade penal do que equipar todo o aparelho estatal que daria suporte à legislação já vigente. O que o Estado tem que fazer é aplicar a lei, mas é mais fácil editá-la — analisa a delegada Tânia Harada, que é a atual responsável pela Delegacia de Proteção à Criança, Adolescente, Mulher e Idoso de Joinville.
— Se nós pretendemos alguma mudança, ela tem que partir do objetivo de tentar fazer funcionar o que nós temos. Fora disso é apenas uma bandeira política com fim político e não com objetivo de resolver o problema — acrescenta o comandante do 8º Batalhão da Polícia Militar, Nelson Henrique Coelho.
Confira um vídeo com a opinião dos especialistas:
http://diariocatarinense.clicrbs.com.br/sc/geral/noticia/2015/09/reducao-da-maioridade-penal-nao-e-solucao-dizem-especialistas-de-joinville-4840801.html
A Segunda Chance
Durante mais de um ano, o jornal “A Notícia” acompanhou a história de Perdiz, um adolescente apreendido por assalto à mão armada e internado no sistema socioeducativo de Joinville aos 17 anos, em maio de 2014. Dentro do sistema, ele foi agressivo, participou de uma tentativa de fuga, ficou de castigo e tentou tirar a própria vida.
Mas também foi lá dentro que retomou os estudos e recebeu acompanhamento psicológico e social. No meio do caminho, descobriu que seria pai: um divisor de águas em seu comportamento. Em junho de 2015, aos 18 anos, voltou para casa e ao convívio social.
Agora, Perdiz ganhou o que muitos jovens brasileiros como ele não têm: uma oportunidade para recomeçar. A trajetória dele até aqui indica três possibilidades de final para a história: 1) reintegrar-se à sociedade; 2) reincidir no crime e acabar no presídio; ou 3) virar mais um número na estatística de jovens mortos por envolvimento com a criminalidade. Cabe a ele escolher o caminho do futuro.