No último mês, Waldik e Ítalo foram brutalmente assassinados por disparos policiais. Os olhares e comentários se focam nos últimos instantes de vida desses dois garotos: momento em que foram vistos como suspeitos de um crime – “trombadinhas”, “marginais”, “escória” e tantas palavras que não deveriam sequer ser ditas.
Para muitos, esse momento apaga todo o significado da vida desses dois garotos, que também tinham uma história. A história não muito fácil de quem, numa vida de pouco mais de uma década, enfrentou dificuldades familiares, privações de direitos básicos e desamparo do Estado e de toda a sociedade.
Sim, fomos todos incapazes de acolher, respeitar e honrar essas crianças. Afinal, somos o país que convive com – e legitima – o homicídio de um jovem negro a cada 23 minutos. Esse dado coloca o Brasil em segundo lugar no ranking dos países com maior número de assassinatos de meninos e meninas de até 19 anos. Waldik e Ítalo eram negros, pobres, periféricos e, não à toa, foram mortos por um disparo direto do poder estatal. Quantas crianças mais teremos de ver morrer para que isso mude?
A verdade é que já vemos isso todos os dias e nada muda. Inúmeras crianças são mortas por ação ou omissão estatal: por falta de atendimento médico, a caminho da escola em transportes precários, ou vítimas de violência sexual… A esses casos, somam-se meninas e meninos que morrem diariamente, sem se saber seu nome, seu rosto ou seus sonhos. Morrem sem a comoção de nenhum de nós.
Nesse cenário parece quase ingênuo lembrar que o artigo 227 da Constituição garante prioridade absoluta à infância, ou que o ECA é mundialmente reconhecido como uma das legislações mais protetivas a crianças.
Em momentos como esse, ficam apenas inquietações: Leis para que? Leis para quem? Leis são capazes de segurar o gatilho voltado à cabeça de uma criança? Leis são capazes de mudar o final da história de Waldik, Ítalo e de tantas outras crianças?
Tais casos nos fazem desanimar por alguns instantes, mas o fato é que continuaremos insistindo: crianças têm de estar em primeiro lugar na preocupação de todas e todos. E se leis apenas não bastam, precisamos de mais.
Precisamos parar de fechar os olhos para a morte brutal de crianças. Precisamos frear a onda de retrocessos que assola o país. Precisamos cobrar o Estado para que orçamento e políticas públicas assegurem os direitos da infância. Precisamos dar efetividade às tantas leis que já existem. Em verdade, é preciso a mobilização de toda a sociedade na luta para que crianças sejam, verdadeiramente, prioridade absoluta.
Thaís Dantas é graduada pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo e atualmente é advogada do projeto Prioridade Absoluta do Instituto Alana. {Via Justificando}