‘Aquele sangue era meu’, diz mãe que viu filho morto em favela do Rio

Por Alfredo Mergulhão, Folha de S.Paulo

Tinha acabado de descer o morro do Querosene quando ouvi dois tiros. Continuei andando até o mercado para comprar três batatas, uma cenoura e pão, para fazer uma canja para o meu caçula, que estava doente.

Na volta, enquanto subia a escadaria, o pessoal da comunidade começou a dizer que meu filho tinha sido baleado [a polícia ainda não esclareceu sobre de onde partiu a bala; mais cedo, houve confronto entre PMs e traficantes em uma favela vizinha]. Ainda no caminho, soube que era o Carlos Eduardo.

Subi correndo, esbarrando nas pessoas, desesperada para ver se o Dudu ainda estava vivo. Mas, quando cheguei, vi o corpo dele no chão, na porta de casa, tampado por um lençol. Retirei o pano para ver seu rosto. Só que não aguentei olhar. Ele estava morto, muito machucado. Gritei muito, xinguei, fiquei desesperada. Ninguém subiu o morro para socorrer meu filho. Ele nem chegou a ser levado para o hospital.

Doeu demais ver o sangue do meu filho derramado. Aquele sangue era meu.

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A catadora Sheila da Silva fala sobre a morte do filho Carlos Eduardo, baleado em favela do Rio. Foto: Pablo Jacob/ Agência O Globo

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Programas policialescos não podem ter carta branca para violar direitos

Por Helena Martins (*), especial para a Ponte Jornalismo

O Ministério Público Federal em São Paulo ajuizou ação civil pública contra a Record e a União em decorrência de violações de direitos no programa “Cidade Alerta”. Estudo aponta que programas policialescos violam cotidianamente 12 leis brasileiras e 7 tratados multilaterais.

“Atira, meu filho; é bandido”. Essa foi uma das frases proferidas por Marcelo Rezende, do programa Cidade Alerta, da Rede Record, ao transmitir, ao vivo, uma perseguição policial a dois homens que seriam suspeitos de roubo. A ação culminou com um tiro disparado à queima roupa pelo integrante da Ronda Ostensiva Com Apoio de Motocicletas (Rocam) da Polícia Militar de São Paulo contra aqueles que, repetidas vezes, foram chamados de “bandidos”, “marginais” e “criminosos” pelo apresentador.

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Ilustração: Junião

 

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Quem ganha com a redução da maioridade penal?

Por Michelle Aguiar, Canal Ciências Criminais

Apesar dos grandes e persistentes esforços contra a redução da maioridade penal, este falacioso discurso ainda prospera. O clamor social visando à punição destes menores se propaga descontrolada e excessivamente. A grande verdade é que a sociedade está cansada do cenário violento em que o Brasil se encontra. A causa disso é a omissão estatal, porém o foco nunca é o Estado. A visibilidade só recai sobre o infrator da lei, o criminoso, o “bandido”. Afinal, é sempre mais fácil apontar e odiar um indivíduo que é exposto como inimigo[1], pensamento este que é constantemente reforçado pela mídia (ver aqui). O sentimento de raiva e o desejo de punição se tornam cada vez mais latentes e o discurso utilizado para travestir este sentimento é o de “que a justiça tem que ser feita”. Esse quadro é exatamente o que gera a aceitação social de propostas falaciosas e incongruentes como a presente PEC 171.

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Foto: Canal Ciências Criminais

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Conheça as 11 falácias que se diz por aí quando o assunto é a diminuição da maioridade penal

Por Thiago de Araújo, Brasil Post

Cerca de 60 projetos tramitam hoje no Congresso Nacional com o foco em um tema central: a diminuição da maioridade penal no Brasil. O mais avançado deles, a PEC (Proposta de Emenda Constitucional) de número 171, de 1993, causou muitas discussões entre aqueles que defendem a redução, e os que a julgam um equívoco para o País. A medida é polêmica por muitas razões, a começar pelo fato de que boa parte dos argumentos da PEC leva em conta passagens da Bíblia, e não estudos científicos e dados oficiais de órgãos nacionais e internacionais. Contudo, não é só isso: o problema da criminalidade é bastante complexo e, segundo especialistas, não tem uma causa isolada.

Brasil, São Paulo, SP. 24/10/2000. Internos da Febem (Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor) são vistos nas instalações da Unidade de Internação do Complexo do Tatuapé, na zona leste de São Paulo. - Crédito:MAURILO CLARETO/ESTADÃO CONTEÚDO/AE/Codigo imagem:21231

Brasil, São Paulo, SP. 24/10/2000. Internos da Febem (Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor) são vistos nas instalações da Unidade de Internação do Complexo do Tatuapé, na zona leste de São Paulo. – Crédito:MAURILO CLARETO/ESTADÃO CONTEÚDO/AE/Codigo imagem:21231

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Ninguém é a favor de bandidos, é você quem não entendeu nada

Por Ramon Kayo

Espectro político trata fundamentalmente de economia. Você acha que a propriedade privada é a raiz de todo o mal? Vá para a esquerda. Você acha que a propriedade privada pode resolver problemas? Vá para a direita. Agora, deixe isso de lado. Não me importa, porque o ponto que quero discutir neste texto é comum a todos.

Algumas expressões vem se propagando por gerações. Como uma espécie de roteador que só replica o sinal, a nova geração repete os discursos da geração anterior. Me assusta ver que jovens, como eu, que tiveram acesso a boas escolas, conteúdos e discussões, estejam dando continuidade às falácias mal estruturadas dos mais velhos.

“Bandido bom é bandido morto.”

“Tem idade para matar, mas não tem idade para ir preso.”

“Direitos Humanos só serve para bandido.”

“Esse povinho defensor de bandido… quero ver quando for assaltado.”

Olha só: ninguém é a favor de bandido. Ninguém mesmo. Muito menos os direitos humanos. Ninguém quer que assalto, assassinato, furto e outros crimes sejam perdoados ou descriminalizados.

Prisão Blog Ramon Kayo

Você é que entendeu errado. Por que alguém, em sã consciência, seria a favor de assaltos, homícidios, latrocínios e furtos? Você não deveria sair gritando palavras de ódio sem entender o argumento do qual discorda — a não ser que você se aceite como ignorante, isto é, que ignora parte dos fatos para manter-se na inércia do conforto.

Depois que este texto terminar, você pode continuar discordando, mas espero que desta vez com outros argumentos, argumentos fundamentados.

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